domingo, 10 de julho de 2022

Aeroporto de Barulhos

 Aeroporto de Barulhos 


No Aeroporto de Barulhos

Pousam as minhas ideias

Às vezes cítricas

Às vezes críticas


E voam ruídos para todos os lados.


Roídos.


As ratazanas insistem

Em tapar seus ouvidos.

Não há mais tampões mundiais. 

Ratazanas roem a corda

Do lado mais fraco.


E correm na pista.

Álgebra

 Álgebra


Nomeie com as letras

com as seis letras

do meu nome

as faces de uma

Estrela de Salomão


São dois triângulos

exatos, retos, equiláteros. 

O que aponta para cima

tem as letras

a, l, l'

Éle linha

Élinha

Elazinha


Elazinha a estrela

que tem brilho ainda hoje

por todos cálculos brancos

feitos por todas essas décadas


A cada face da estrela

7 unidades de medida

a cada cálculo efetuado

um infinito de gratidão.


Eterna.


15/4/2022

quarta-feira, 9 de junho de 2021

Do lado de fora


Ela nasceu sozinha. Do lado de fora, os médicos instrumentaram o parto. Mas ela, sozinha, saiu rápido e quase caiu no chão. Esta é uma pequena parte da história. História dela? Dela e de uma falta que começou a doer aos três anos de idade. A dor dela era de uma ausência invertida, como uma presença sofrida. Sete anos se passaram e outros médicos descobriram que ela nunca esteve sozinha. Talvez do lado de fora sim, mas andou sempre acompanhada por dentro. Esses médicos, doutores em vida, contaram para ela que ela carregou por dez anos a irmã que teria sido sua gêmea.  Ela, desta forma, percebeu que seus amigos imaginários na verdade eram aquela irmã que tanta falta fez. Quando esta irmã saiu de seu corpo, colada em seu ovário, a fez ver que brincar é sempre muito bom. E seu encontro aconteceu na fantasia. Agora ela quer que, da próxima vez, elas se abracem, só que do lado de fora.



Imagem: Mark Ryden

terça-feira, 12 de dezembro de 2017

Tão humano, tão humano



Tão humano quanto
Uma micose de dedão de pé
É um chamado das ruas
É um chamado do caminho
Ainda medonho, ainda incerto
Da certeza rica que me faz
Pobre, paupérrima para as gravatas
Que teimam em ter suas pontas
Balançadas pelo vento da pressa.

Macérrima é a aparência
Do meu corpo que procura bordas
Já que a alma se espalha espessa
No espelho de uma arte
A brilhar imensa.

Me interessa o arrebatamento
Das paredes do meu cortiço
Que aplaudem orgulhosas
Os versos densos, brotos,
Rotos de remendos em sins.

É que a velha luneta
Mira em mim, só em mim,
E numa arte que talvez me baste.

Tão humano, tão humano.

sábado, 25 de novembro de 2017

Conforto

Conforto


Conforto. Eu só queria conforto. Queria um lugar fora dessa luz branca, fria, incisiva como uma velha rancorosa. E o olhar desperto se assombra com a rigidez dos gemidos de quem está ali e não pode sair. Em cada quarto de hospital se encontra uma vingança dos corpos . Uma retaliação. Lei de Talião.
Aos médicos cabe a tentativa da não execução da desforra. Porém, os corpos são inclementes e trabalham até extinguirem os detalhes da Lei do Retorno aplicada empiricamente. A doença apodrecendo tecidos ainda úmidos e pegajosos, mostrando-se a mais honrada canibal dentre os civilizados. E apenas me resta resistir corajosamente, para que o banquete seja o mais nutritivo para esta vitoriosa combatente.
Não me pouparei ante esta grande inimiga. De tudo lhe darei: indolência, mesquinhez, violência, pequenez. Traição. E os amigos hedonismo e hipocrisia. Também a coragem de assumir tudo publicamente (creio que é com esta que a doença se fartará). Tudo que me restou deste campo de Marte em que vi os anos passarem. Não me vejo pronto para o conforto. Me enxergo apto para este incômodo personificado numa coceira que só existe nos circuitos elétricos do meu cérebro. É que a sensação acolhedora do meu velho par de sapatos de camurça marrom não é mais simétrica.  É uma sensação mórbida, a única a me confortar diante da notícia do enterro da minha perna direita.
Perdi primeiro o dedinho para uma ferida necrosada, em seguida o pé. O hospital teve que se haver com eles. Mas, a perna não. A perna foi sepultada em um caixão de criança pequena. Lhe faltaram as flores. Em lugar do choro houve a constatação, a estarrecedora certeza de que não há piedade em um corpo que se vinga.


E a morte não tem pernas curtas.

sábado, 11 de novembro de 2017

Cílios espessos

Cílios espessos

Onde havia cílios espessos agora existe breu. A escuridão se aproximou sorrateiramente, primeiro uma brancura na íris se apresentou aos poucos. O oftalmologista não foi consultado. E, como, enchente, a brancura conquistou o globo ocular.

Glaucoma devastador. Eles disseram, sem trazer luz alguma para aquele fim de túnel. Irreversível. Da forma mais cruel, perdi minha visão. Da forma com que lidei com quem sou. O negro se fez através do branco absoluto nas minhas retinas. Pressão arterial nas alturas, o descontrole interno de um corpo.
E, por fora, a necessidade absurda de controle dos espaços vazios.

Agora não mais conduzo a mim. Sou conduzida. Até mesmo pelos espaços que não encostam em minha pele, na relação tátil que agora tenho com o que está fora. Agora sou alguém castrada de seus impulsos. Devo criar uma disciplina que suplanta o corpo de outrora. Devo abraçar um preparo psicológico que sustente o preparo físico de toda a extensão da minha pele. Conquistar um autocontrole em relação à luz que não mais se faz presente.

Sou um ser sensação, um ser pele, um ser couraça visual, um ser que viu algo grande demais e que agora somente lhe resta escutar e tocar o grande. Com olhos injetados enxergo o dentro que sou, com pêlos arrepiados enxergo o fora que é. Olhos sem rímel. Cílios finos e claros.

Sou forma e sensação agora. A imagem, a estética que não me conduz, mas me guia, vem de pequenos brilhos na noite que se instalou nos meus olhos. Sou tato e audição. Sou aquela que se enxerga agora.


Stella Arbizu, 11/11/17







terça-feira, 10 de outubro de 2017

Perseguição revolta

Aquelas pernas grandes serviam para correr o mundo e medir a envergadura de uma perseguição revolta. Às vezes água fervendo, às vezes lodo opaco.
  Ela corria por ruas indomáveis e fugia de uma luta ardente. Sabia que precisaria de perfurações enérgicas para furar o terreno daquele embate secular. Tinha certeza de que seria a dona do petróleo daquela disputa suja.
  Seu inimigo baixo continuava incisivo e durante eras eles garimpavam em peneiras furadas, de onde divisavam o sol. Ele roubava, roubava todos os ganhos daquele embate: ouro, rubi, esmeralda, dentes, sangue e bílis. Desta forma, ela se sentia coroada por um bispo etéreo, num reino que poderia ser uma cratera profunda, uma montanha invertida. Ela batia nele como avalanche, derramando todo o seu corpo sobre ele. Ele revidava cruelmente golpeando do fundo de uma erosão temerária.
  Ela vencia, ele vencia.
  Só não percebiam que eles se vendavam.


Corro o mundo
Com pernas grandes
Onde cabe a envergadura
Dê uma perseguição revolta

Ruas indomáveis
Cheias de luta ardente
Repletas de perfurações enérgicas
Até encontrar o petróleo
Dono de uma disputa suja

Baixo inimigo mineral
Que durante eras
Nós garimpamos
Em peneiras furadas
Divisando o sol

Ouro, rubi, esmeralda
Dentes, sangue, bílis
Pertencentes a um corpo coroado
Numa cratera profunda

(Invertida montanha)

Tornemo-nos avalanches
Deste infinito embate
Eu venço, você vence

Nós vendamos.